"A velhice, que hoje tarda bem mais do que décadas atrás, pode ser bela, alegre e apreciada enquanto não for amarga"
Uma das melhores frases que escutei sobre velhice e envelhecer, porque realista e bem-humorada, foi: "Velhice? Eu acho ótima, até porque a alternativa seria a morte!" Não é em geral o que se escuta. Mesmo velhos que têm boa saúde e poderiam estar curtindo alguma coisa costumam se lamentar em lugar de viver. E, acreditem, sempre há o que fazer, aprender, renovar. Vai-se, é verdade, parte da energia (a lucidez, não necessariamente, e se a perdermos não saberemos: a natureza pode ser misericordiosa).
Para quando a inevitável velhice chegar, tomei como meu modelo, talvez inatingível, minha comadre, madrinha de um de meus filhos, minha amada amiga Mafalda Verissimo, viúva de Érico e mãe de Luiz Fernando. Sei que ainda hoje, esteja onde estiver, ela sabe de mim, me cuida. Se pudesse me aconselhar, como costumava fazer, haveríamos de dar juntas boas risadas.
Essa velha dama, que, como minha mãe, morreu aos 90 anos, detestaria ser lembrada com tristeza. Uma de suas marcas era o bom humor, que nessa idade, mais do que em todas, é essencial: divertidos eram seus olhos muito azuis revelando o interesse múltiplo e alerta, aberto o coração.
A gente não a visitava para lhe fazer companhia (sua casa abrigava família e muitos amigos), mas porque nós precisávamos dela, ela nos alimentava com seu interesse, nos animava com sua vitalidade. Lia todos os jornais, entusiasmava-se com novidades, e as que não aprovava lá muito eram comentadas, também, com seu jeito divertido. Mafalda sempre me fez refletir sobre a velhice que escolhemos ter, para além das inevitáveis transformações que de preferência não escolheríamos. Com ela entendi melhor que velhos não são isolados porque os filhos não prestam ou os amigos morreram, mas também porque se tornaram chatos demais: reclamando, querendo controlar, chantageando e cobrando.
A gerontocracia pode ser cruel: é urgente rebelar-se contra ela, se queremos conviver com os velhos. E, se queremos ser um dia velhos com quem os outros gostem de estar, é bom evitá-la a qualquer custo. Velhos, como todos nós, podem ser vítima de seu próprio preconceito – além da rejeição generalizada a tudo o que não for jovem e fulgurante. É comum encontrar alguém que bem antes da velhice já não diz duas frases sem acrescentar em tom lastimoso "na minha idade". Por que não encarar o tempo como transformação da beleza enérgica da juventude na serena beleza da velhice?
Hão de arquear as sobrancelhas, mas eu lhes digo que, se hoje me divirto mais do que aos 30 anos, espero aos 80 achar ainda mais graça em muitas coisas que, décadas atrás, me fariam arrancar os cabelos em desespero. Se alguém na velhice é realmente só, sem ninguém, nem vizinho nem conhecido nem parente nem mesmo o quitandeiro da esquina com quem falar, me perdoe: a não ser que uma tragédia tenha devastado sua vida sem deixar pedra sobre pedra, possivelmente faltou cultivar interesses e afetos, em vez de esperar por eles como obrigação alheia. Sinto muito: se o velho sempre bonzinho é um mito, o velho simpático, aberto e otimista é uma realidade. Quando comentei isso, alguém retrucou: "Mas todos morreram, não tenho ninguém da minha idade para conversar".
É bem possível e até provável, mas você nunca fez amizades com gente mais jovem? Nunca se abriu para o que há de estimulante no outro tempo da vida? Nunca se renovou, nunca se abrandou? Quem não tiver obsessão pela juventude perdida pode se interessar pela imensa variedade de assuntos que todo dia entram em nossa casa pelos jornais, pela televisão e – por que não? – pelo computador. E não me venham com "na minha idade".
Os grupos da chamada terceira idade podem ser divertidos, estimular amizades, fazer sentir que a gente não é a única nem a vítima do destino cruel... Mas, por favor, não botem as velhinhas a dançar com vestido de bailarina saltitando com balões nas mãos, ou para fazer teatro infantil. Não as maquiem em excesso, não as tornem caricaturas.
A velhice, que hoje tarda bem mais do que décadas atrás, pode ser bela na sua beleza peculiar; alegre na sua alegria boa; alerta na medida de seus interesses; procurada e apreciada enquanto não for amarga.
Enfim, que sejamos todos e todas Mafaldas Verissimo, a que até o fim nos amou, nos apoiou, nos divertiu, nos escutou, aquela a quem procurávamos pelo nosso próprio bem e que deixou uma saudade boa, não um vazio de sombra.
E assim, amiga, enfim te homenageei.
Para quando a inevitável velhice chegar, tomei como meu modelo, talvez inatingível, minha comadre, madrinha de um de meus filhos, minha amada amiga Mafalda Verissimo, viúva de Érico e mãe de Luiz Fernando. Sei que ainda hoje, esteja onde estiver, ela sabe de mim, me cuida. Se pudesse me aconselhar, como costumava fazer, haveríamos de dar juntas boas risadas.
Essa velha dama, que, como minha mãe, morreu aos 90 anos, detestaria ser lembrada com tristeza. Uma de suas marcas era o bom humor, que nessa idade, mais do que em todas, é essencial: divertidos eram seus olhos muito azuis revelando o interesse múltiplo e alerta, aberto o coração.
A gente não a visitava para lhe fazer companhia (sua casa abrigava família e muitos amigos), mas porque nós precisávamos dela, ela nos alimentava com seu interesse, nos animava com sua vitalidade. Lia todos os jornais, entusiasmava-se com novidades, e as que não aprovava lá muito eram comentadas, também, com seu jeito divertido. Mafalda sempre me fez refletir sobre a velhice que escolhemos ter, para além das inevitáveis transformações que de preferência não escolheríamos. Com ela entendi melhor que velhos não são isolados porque os filhos não prestam ou os amigos morreram, mas também porque se tornaram chatos demais: reclamando, querendo controlar, chantageando e cobrando.
A gerontocracia pode ser cruel: é urgente rebelar-se contra ela, se queremos conviver com os velhos. E, se queremos ser um dia velhos com quem os outros gostem de estar, é bom evitá-la a qualquer custo. Velhos, como todos nós, podem ser vítima de seu próprio preconceito – além da rejeição generalizada a tudo o que não for jovem e fulgurante. É comum encontrar alguém que bem antes da velhice já não diz duas frases sem acrescentar em tom lastimoso "na minha idade". Por que não encarar o tempo como transformação da beleza enérgica da juventude na serena beleza da velhice?
Hão de arquear as sobrancelhas, mas eu lhes digo que, se hoje me divirto mais do que aos 30 anos, espero aos 80 achar ainda mais graça em muitas coisas que, décadas atrás, me fariam arrancar os cabelos em desespero. Se alguém na velhice é realmente só, sem ninguém, nem vizinho nem conhecido nem parente nem mesmo o quitandeiro da esquina com quem falar, me perdoe: a não ser que uma tragédia tenha devastado sua vida sem deixar pedra sobre pedra, possivelmente faltou cultivar interesses e afetos, em vez de esperar por eles como obrigação alheia. Sinto muito: se o velho sempre bonzinho é um mito, o velho simpático, aberto e otimista é uma realidade. Quando comentei isso, alguém retrucou: "Mas todos morreram, não tenho ninguém da minha idade para conversar".
É bem possível e até provável, mas você nunca fez amizades com gente mais jovem? Nunca se abriu para o que há de estimulante no outro tempo da vida? Nunca se renovou, nunca se abrandou? Quem não tiver obsessão pela juventude perdida pode se interessar pela imensa variedade de assuntos que todo dia entram em nossa casa pelos jornais, pela televisão e – por que não? – pelo computador. E não me venham com "na minha idade".
Os grupos da chamada terceira idade podem ser divertidos, estimular amizades, fazer sentir que a gente não é a única nem a vítima do destino cruel... Mas, por favor, não botem as velhinhas a dançar com vestido de bailarina saltitando com balões nas mãos, ou para fazer teatro infantil. Não as maquiem em excesso, não as tornem caricaturas.
A velhice, que hoje tarda bem mais do que décadas atrás, pode ser bela na sua beleza peculiar; alegre na sua alegria boa; alerta na medida de seus interesses; procurada e apreciada enquanto não for amarga.
Enfim, que sejamos todos e todas Mafaldas Verissimo, a que até o fim nos amou, nos apoiou, nos divertiu, nos escutou, aquela a quem procurávamos pelo nosso próprio bem e que deixou uma saudade boa, não um vazio de sombra.
E assim, amiga, enfim te homenageei.
(Lya Luft)
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